DE CARRO PELO INTERIOR DE CUBA


Se conhecer Havana, a capital de Cuba, já é como mergulhar no túnel do tempo, o que esperar do interior?

Cena constante nas estradas de Cuba.

O coração do país é deliciosamente rural. Paisagens lindas. Campos cultivados. Algumas criações de porcos, aves e gado. Tudo à moda antiga. Nas estradas, carros de boi e cavalos vão e vem. Nas cidadelas, a vida acontece sem pressa. Pelas frestas das portas entreabertas dá para ver as novelas brasileiras passando na televisão enquanto cadeiras de balanço ajudam a embalar o dolce far niente. No final do dia, as praças ficam lotadas de gente batendo papo, jogando xadrez ou tentando uma conexão com seu “wifi card”, tipo raspadinha, comprado na Etecsa. E, não dá para esquecer das Casas de Trova onde a música convida todos a dançar - cada cidade tem a sua. Já, nos vilarejos perto do mar são os pescadores e seus barcos que comandam as cenas. 

Rapazes carregam um tubarão que pescaram para o jantar da família. 
A comida é escassa em Cuba.

Uma vida tranquila. Nos moldes de outrora. A ilha descoberta pelos espanhóis no início do século XVI parece ter adormecido no tempo, como num conto de fadas.

Carroças servem como taxi em Santa Clara.

Nos finais de semana é a bandinha que diverte a galera.

ROTEIRO PELO INTERIOR DE CUBA

De Havana seguimos de carro alugado (uma dificuldade que já contei no post anterior) por Cienfuegos, Trinidad, Vale de los Ingenios, Sancti Spiritus, Ciego de Avila, Moron e finalmente Cayo Coco e Cayo Guillermo que eram o objetivo final dessa rota (onde passamos 5 dias). Dormimos uma noite em Cienfuegos. No entanto, indico que essa pausa para dormir seja feita em Trinidad.

No retorno, optamos por voltar por outra estrada, bem menor, passando pelo interiorzão rural de Cuba. Passamos por Chambas, Menezes, Remédios e paramos em Santa Clara onde fica  o Monumento a Che Guevara. Uma experiência interessante. A maioria desses lugares não tem a menor infraestrutura. Não conseguimos nem mesmo um lugar para almoçar. Tivemos que comprar algumas frutas na casa de um agricultor na beira da estrada e na cidade de Remédios conseguimos achar uns biscoitos água e sal caseiros feitos por uma senhora que os vendia numa barraquinha de rua. Fomos na essência de Cuba. Isso é o que torna uma viagem especial.

Muitas plantações de tabaco acompanharam nosso trajeto pelo interior de Cuba.

Em um vilarejo encontramos uma fábrica de charutos, mas nós não podíamos comprar por não termos cups. Um senhor comprou um charuto e gentilmente nos presenteou. 

CIENFUEGOS

Depois de percorrer 240 quilômetros pela Autopista Nacional, a maior estrada do país, chegamos a Cienfuegos. O trajeto costuma ser feito em aproximadamente 4 horas, pois há buracos na estrada, movimentação de veículos lentos e muita gente circulando pelo acostamento. Portanto, prudência ao dirigir é de bom tom.

Centro de Cienfuegos ao entardecer.

Cienfuegos é uma cidade a beira-mar, considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Foi fundada em 1819 pelos espanhóis com o nome de Fernandina de Jagua e dez anos depois passou a se chamar Cienfuegos, em homenagem a José Cienfuegos que era o governador-geral de Cuba na época.

O marco zero de Cienfuegos, no Parque Martí e ao fundo a estátua de José Martí. 

Observe a quantidade de pessoas falando no celular e tentando uma conexão em Cienfuegos.

Seu centro histórico é bem preservado, com casarões herdados do período colonial, e se espalha ao redor do Parque Martí, antiga Plaza de Armas. É ali que fica o marco zero da cidade. Na praça, observe os leões num pedestal que ficam próximos a estátua do poeta cubano José Martí e ao Arco do Triunfo que celebra o nascimento da República de Cuba. Ao redor da praça tem vários prédios históricos como o Teatro Tomás Terry, o Palácio Ferrer, o Museo Provincial e a Catedral de la Puríssima Concepcion. Entre na onda e caminhe sem pressa. Sente para um café, para um bate papo ou tente uma conexão com a internet.

Teatro Tomás Terry.

 Catedral de Puríssima Concepción, no Parque Martí.

Mas é quando a gente se afasta um pouquinho do centro e vai em direção ao mar, seguindo pela agitada rua Paseo del Prado, no distrito de Punta Gorda, que mora a exuberância maior da cidade na forma de mansões e palacetes.

Punta Gorda e seus elegantes casarões.

Esse bairro aristocrático, ao sul da Baía de Cienfuegos, teve seu auge no século passado. O Palácio do Valle é o prédio mais encantador de Punta Gorda. Ele foi construído em 1913 por um dos homens mais ricos de Cuba, o espanhol comerciante de açúcar Acisclo del Valle Blanco. O palácio tem dois andares, três torres e um terraço lindo de frente para o mar. É imponente.

O Palácio do Valle já abrigou um cassino e hoje tem um restaurante. 

Para ficar hospedado em Cienfuegos há basicamente duas opções: hotéis ou casas de família que oferecem acomodações para turistas com a permissão do governo.

Caso opte por um hotel charmosinho e bem localizado indico o Hotel La Union. Ele fica na Calle 31, pertinho do Parque Martí, tem 49 acomodações num prédio histórico, construído em 1869. O telefone para reservas (melhor opção em Cuba já que a internet é uma lástima) é (53) 551020. Ele vive lotado. Faça a reserva com boa antecedência. E-mail: reserva@union.cfg.tur.cu

Jardim de inverno do Hotel Union.

Se preferir uma experiência mais genuína indico a casa da Sra. Julia Milanês Fernández, El Colonial, na Calle 37 (Prado) #5608/56 e 58. Telefone (53) 43516241 ou celular 54785904. O e-mail dela é jelisamilanes@nauta.cu

No dia seguinte, antes de pegar a estrada novamente em direção a Trinidad, caso tenha interesse pela flora tropical, vale conhecer o Jardim Botânico Soledad que fica a 15 quilômetros do centro de Cienfuegos. O local abriga mais de 1.400 espécies de plantas, entre elas palmeiras, bambus, plantas medicinais... Mas, confesso que achei o Jardim Botânico mal cuidado. Dei uma circulada rápida e perdi o interesse.

Jardim Botânico Soledad, em Cienfuegos.

TRINIDAD

Andando mais 70 quilômetros chega-se a fofíssima Trinidad. Apaixonante! A cidade me conquistou na primeira esquina com suas ruas com calçamento de pedras arredondadas, carros antigos, carroças, lojas de artesanato, música por todo lado, cafés, restaurantes charmosos e casas coloniais coloridas. Uma festa para os olhos. Foi merecidamente declarada como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

Trinidad.

A cidade foi fundada m 1514 pelo espanhol Diego Velásquez e viveu seus tempos áureos entre os séculos XVII e XIX quando se tornou um grande centro de comércio de açúcar e escravos. Depois disso, caiu num período de isolamento que a protegeu de mudanças radicais. Por sorte, sua planta se mantém quase intocada.

Plaza Mayor, no centro antigo de Trinidad.

A Plaza Mayor é o coração da cidade e a partir de onde se espalham museus e casarões históricos. Comece a visita pela Iglesia Parroquial de la Santíssima Trinidad que já foi destruída por um furacão e refeita. Sim! Cuba tem furacões.

Plaza Mayor e seus casarões coloniais.

Iglesia Parroquial de la Santíssima Trinidad.


Ao lado da igreja tem uma escadaria com degraus deliciosos cheios de bancos para curtir o vai e vêm das pessoas. Lá no topo da escadaria fica a Casa de la Musica e em frente à igreja, a belíssima Casa dos Conspiradores repleta de balcões, onde a sociedade secreta nacionalista La Rosa de Cuba se reunia.

No alto da escadaria, a Casa de la Musica e à direita,  a Casa dos Conspiradores com seus balcões.

Caminhe sem pressa pelas ruas de Trinidad. A cidade é um sonho!

Também confira o Museo de Arquitetura Colonial, a Galeria de Arte Benito Ortiz, o Palácio Brunet ou Museo Romântico que guarda uma coletânea de objetos e móveis das famílias abastadas da cidade, o Museo de Arqueologia Guamuhaya, o Palácio Cantero onde funciona o Museo Histórico Municipal e a Iglesia Convento de San Francisco de cujo campanário se tem uma bela vista da cidade. Tudo isso fica ao redor da praça, numa área pedonal deliciosa.

Ao fundo, o Convento de San Francisco.

Portão de entrada do Museo de Arquitetura Colonial.

No mais é caminhar pelas ruelas observando as fachadas das antigas casas coloniais espanholas com janelas retangulares ou em arco, persianas de madeira, grades de ferro desenhadas e grandes portas. Muitas delas servem como hospedaria para turistas.

Trinidad é puro charme.

Circule pelas lojas de artesanato e escolha um bom restaurante para almoçar ou jantar. Indico o Sol, na praça, com decoração interessante.

Restaurante Sol. Adorei a ambientação.

Para tomar um mojito, Trinidad também tem um bar La Bodeguita del Medio, que é até mais simpático do que o de Havana, apesar de não ser o original.

La Bodeguita del Medio, em Trinidad.

Para dormir em Trinidad indico o Iberostar Grand Hotel, na Calle José Martí. Telefone: (41) 996073 Reserve com muita antecedência e de preferência pelas agências de turismo cubanas para conseguir bons preços. Caso contrário, você vai pagar um valor absurdo. 

Iberostar Gran Hotel, Trinidad.

As casas que têm esse símbolo azul na parede, como se fosse uma âncora, são autorizadas a receber turistas. É uma opção mais econômica e bem interessante para ver a vida como ela realmente é em Cuba.

Uma das tantas hospedarias particulares em Trinidad.

VALE DE LOS INGENIOS

De Trinidad seguimos até a Torre de Iznaga, no Vale de los Ingenios onde viviam muitos escravos que trabalhavam nas lavouras de cana de açúcar. O vale é cheio de história. Ainda guarda ruínas dos mais de 50 engenhos da região e é considerado como Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco. Tem um trenzinho que parte da torre e circula pelo vale.

A torre de sete andares, tem 45 metros de altura. Servia como sentinela para observar o vale todo e a movimentação dos escravos. É um lugar muito visitado pelos ônibus de excursão da empresa Gaivota, de Raul Castro, que circulam pelo país.

Torre de Iznaga.

SANCTI SPIRITUS

Nossa parada seguinte foi na cidade de Sancti Spiritus com seus de 500 anos de vida e muita história. Ela é parecida com Cienfuegos em termos de arquitetura com a peculiaridade de ter uma antiga ponte de aparência medieval, a Ponte Yayabo, que é o único acesso ao centro histórico para quem vem de Trinidad.

A cidade é pequenina, colorida e animada. Já foi um importante centro político e econômico da região e hoje atrai poucos turistas. Não é das cidades mais visitadas de Cuba apesar de ser considerada Monumento Nacional. Paramos algumas horas em Sancti Spiritus por ser caminho e adoramos ter conhecido.

Fachada colorida de casarão de Sancti Spiritus.

Parque Serafin Sanchéz e a estátua em bronze de um senhor com suas maracas.

A cidade tem ruas estreitas. Muitas delas são destinadas apenas a pedestres. As mais antigas têm calçamento de pedras. É um lugar delicioso para flanar sem pressa. Seus casarões tem cores vivas e fachadas coloniais. Vale prestar atenção ao Teatro Municipal, a Casa de Trova, a estátua do médico Rudesindo Antonio Garcia na Placita, visitar o Museo de Arte Colonial, a Paróquia Mayor del Espírito Santo e finalizar a caminhada no Parque Serafin Sanchez, o coração da cidade.


 Sancti Spiritus.

O parque, que na verdade é uma praça, é o ponto de encontro das pessoas que moram ali. Seu nome foi dado em homenagem a um dos heróis das guerras pela independência, Serafin Sanchez.  A praça é elegante. Cercada de prédios importantes, entre eles a Biblioteca, o Hotel Perla de Cuba e o Hotel Plaza.

Parque Serafin Sanchez.

CIEGO DE ÁVILA E MORON

Dali, seguimos por Ciego de Ávila e Moron, cidades que não nos encantaram muito, até chegarmos ao destino final, Cayo Coco e Cayo Guillermo (que já contei no post anterior).


E o passado continua dando as cartas pelas estradas.

SANTA CLARA

Ao retornar de Cayo Coco para Havana fizemos uma parada em Santa Clara para conhecer o Monumento ao Comandante Che Guevara, na Plaza da Revolucion. Esse é um dos monumentos históricos mais emblemáticos de Cuba. Foi construído em 1988 para comemorar os 30 anos da Batalha de Santa Clara que levou Cuba a um novo regime político, deu fim a ditadura de Fulgencio Batista e inaugurou a era socialista de Fidel Castro. O complexo tem um museu com objetos pessoais de Che, um memorial e o túmulo do guerrilheiro-herói, um cidadão argentino que foi declarado cidadão cubano. Che Guevara foi morto na Bolívia, aos 39 anos, numa emboscada comandada pela CIA.

Monumento ao Comandante Che Guevara, em Santa Clara.

MIGRAÇÃO ANUAL DOS CARANGUEJOS

Na estrada, um fato curioso e triste nos surpreendeu. Uma quantidade enorme de caranguejos avermelhados migravam da floresta em direção ao mar para procriar, na Baía dos Porcos e acabavam morrendo no caminho. Esse trajeto é feito todos os anos pelos animais, por distâncias que podem chegar a dez quilômetros, entre março e abriL. No entanto, devido aos obstáculos construídos pelo homem, como estradas, os animais acabam morrendo atropelados pelos carros. Triste cena. Longos trechos das estradas ficam cobertos por caranguejos esmagados. Algumas aves e peixes se alimentam dos caranguejos e de seus ovos, mas para o homem esse tipo de caranguejo é tóxico e não pode ser ingerido.


Migração dos caranguejos.

ENFIM...

Esse foi o último post da série sobre Cuba. Uma viagem de quase duas semanas para uma terra que aos poucos vai se abrindo para o mundo e que fez minha família toda refletir sobre as questões ideológicas envolvidas no socialismo e no capitalismo, além de curtir paisagens incríveis. Uma viagem e tanto. Mas, esteja preparado para as dificuldades que vai encontrar pelo caminho em termos de logística, conforto, alimentação, conexão... Prepare-se com antecedência!

LEIA TAMBÉM 


Saiba que as pessoas são a melhor parte de uma viagem à Cuba. 

Booking.com

Compartilhe:

COMENTÁRIOS

  1. Respostas
    1. Nathalia,

      Essa foi minha segunda viagem à Cuba. Uma viagem super interessante por um país de peso enorme na história mundial.
      Vá sem medo, mas com tudo reservado com muita antecedência.

      Beijo

      Excluir
    2. Muito obrigada pela dica, Claudia. Sem dúvida, Cuba é um país bem interessante! Não posso deixar de conhecer esse lugar, ainda mais com esses relatos e fotos lindas..

      Excluir
  2. Adorei seu blog. Estou participando do sorteio da bolsa. 😍

    ResponderExcluir
  3. Respostas
    1. Viajar é tudo de bom. São tantos lugares lindos nesse mundo. Não é? Minha wish list nunca abaca. Só faz aumentar. Rsrsrsrs
      Beijo

      Excluir
  4. Cuba entrou na minha wist list depois que acompanhei sua viagem!!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Janaína,

      Que legal. Fico feliz em inspirar novos rumos.

      Beijos e muitas viagens lindas para você.

      Excluir
  5. Muito maravilhoso esse lugar! Apaixonada!!

    ResponderExcluir
  6. Apaixonada por Cuba! Gratidão pelos posts e dicas!

    ResponderExcluir
  7. Adorei as dicas! Cuba está na minha lista de lugares para conhecer, e com certeza utilizarei esse post como guia!

    ResponderExcluir
  8. Cuba é incrível! Adorei conhecer também!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é. Lugar ainda pouco explorado, intocado, que vive em outro ritmo.
      Beijo

      Excluir
  9. MUITO BOM! Cheio de curiosidades e informações que me deram mais vontade ainda de conhecer Cuba. Minha curiosidade é sobre como é a alimentação e as bebidas típicas do interior de Cuba, fui pro interior do Paraguai e me encantei pelo tererê que é MUITO consumido lá, qual seria o de Cuba?
    Beijos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Gabriela,

      Para saber mais sobre as bebidas típicas de Cuba e alimentação leia esse texto: BEM VINDO A NOVA HAVANA http://www.viajarpelomundo.com/2017/04/bem-vindo-nova-havana.html
      Tem muita informação legal sobre os mojitos e daiquiris cubanos. Onde tomar. Onde Hemingway sentava para relaxar bebericando um drink. Espero que você goste do texto.
      Beijos

      Excluir

Deixe seu comentário. Obrigada!