BEM VINDO A NOVA HAVANA
Viajar para a “ilha de Fidel” não é uma escolha muito óbvia.
Há quase trinta anos então... era ainda menos provável. O turismo era
praticamente inexistente naquelas águas caribenhas. Eu era jovem e curiosa.
Queria ver de perto como funcionava o tal do socialismo, que já dava sinais de
desmoronamento. Quando li uma reportagem que anunciava um voo fretado do Brasil
para Cuba corri para garantir minha vaga e alguns dias depois estava
desembarcando em Havana. Minha primeira experiência em Cuba, numa época em que “El
Comandante” conduzia tudo com rédeas curtas, foi riquíssima. Nesse meio tempo
muita água rolou. O Muro de Berlim caiu, a mesada russa foi cortada, Obama fez
as pazes com o país, Trump foi eleito, Fidel Castro se foi, Raul assumiu o
posto do irmão e novos ventos começaram a soprar.
Sinal dos tempos, um guerrilheiro cubano estampado numa tela com a logo da Dior ao fundo.
OLHANDO PARA TRÁS
Naquela época, meu roteiro de dez dias era totalmente
amarrado e monitorado pelo governo. Incluía Havana, Varadero e um bate-e-volta
a Cayo Largo, uma vez que não havia hotéis na ilha, agora tem muitos. Eu não
podia dar um passo além do previsto. Nem eu nem os cubanos. Ninguém tinha
liberdade para ir e vir. Muito menos para se expressar. Quando alguém queria
abrir o coração e desabafar sobre o sofrimento que vivia, olhava para os lados
com desconfiança, para garantir que não havia ninguém na escuta. E foram muitos
os desabafos que ouvi. Uma vida miserável! Com escassez de alimentos e moradia,
o que infelizmente não mudou em nada.
Um mercado em Havana com poucas ofertas nas prateleiras.
NOVOS TEMPOS
Agora, os turistas invadem Havana e circulam sem restrição
tanto pela capital como pelo interior do país. Isso quando conseguem alugar um
carro, artigo de luxo e escasso. Essa é a mudança mais evidente. O turismo! Há
sempre um ou dois navios de cruzeiro atracados no porto e os cubanos aproveitam
fervorosamente a chance de receber alguns euros ou cucs que eles trazem. Alguns
usam os carros antigos passados de pai para filho como táxis e faturam alto. Trabalhar
em hotéis também garante boas gorjetas. Outros já conseguiram licença para
montar seus próprios restaurantes chamados de “paladares”, o que antes não
existia, havia apenas restaurantes do Estado. Tem ainda quem vista um
personagem e pose para a foto em troca de uns cucs. Músicos escolhem cantinhos
movimentados do centro antigo para conseguir uma renda extra. E ainda tem os
espertos que tentam vender charutos e rum sabe-se lá de qual procedência. Mas,
a maior fatia da população ainda vive de maneira lastimável, como era na minha primeira
viagem à Cuba. Cabe excluir desse grupo a galera que está no comando do país,
esses têm lá suas regalias como carro, wifi liberado em casa, a possibilidade
de circular pelo mundo e acesso aos restaurantes.
A música está na veia dos cubanos.
Personagens em busca de uns cucs.
Interessante que vi muita gente lamentando a morte de Fidel
dizendo que a vida melhorou depois da revolução, especialmente os mais velhos,
nas cidades menores. Dizem que agora há bom tratamento médico gratuito, não há
mais pestes, todos têm direito a escola, casa, comida e emprego garantido. Já
outros, como um engenheiro mecânico que teve a chance de estudar na Rússia, se
vangloriava de ter conseguido mandar os filhos para fora do país com a venda do
carro da família. “O sistema não valoriza o desenvolvimento pessoal, deixa as
pessoas acomodadas com um mísero salário de 500 pesos cubanos que mal dá para
viver, os serviços não têm qualidade e a população é nivelada pela pobreza. Che
e Fidel só trouxeram atraso de vida.” As opiniões divergem, como dá para ver.
Che e Fidel continuam estampados pelo país todo.
ENTRANDO NO TÚNEL DO TEMPO
A chegada a Havana é como uma volta aos anos 60. A cidade de
dois milhões de habitantes, que fica a apenas 180 quilômetros da Flórida pouco
mudou nesses anos, a não ser pelo movimento dos turistas que lotam as ruas.
Quase não surgiram novos prédios e os carros antigos dão a certeza de que o
tempo parou. A vida em Havana não tem a pressa típica das grandes cidades. O
ritmo é outro. No aeroporto as malas demoram para chegar na esteira, a
liberação do passaporte é arrastada, para trocar euros por cucs as filas são
enormes. Não fosse pela diferença do idioma, confesso que em alguns momentos Salvador
vem à tona. Muita semelhança.
Apesar da vida dura, as pessoas são extrovertidas, vivem com as portas das casas abertas, adoram dançar, são musicais, tem uma veia artística forte. Aliás, quando o “son cubano” começa a rolar ninguém fica parado. Pés e mãos entram no ritmo e o corpo todo se agita. A música popular cubana é um patrimônio nacional. Grandes orquestras viraram febre em Havana nos anos 50. Com a revolução elas desapareceram e mais tarde isso foi resgatado com o Buena Vista Social Club. Mambo, chachachá, salsa, rumba e jazz criam uma mistura deliciosa de ritmos caribenhos e africanos que ecoam por toda parte.
Apesar da vida dura, as pessoas são extrovertidas, vivem com as portas das casas abertas, adoram dançar, são musicais, tem uma veia artística forte. Aliás, quando o “son cubano” começa a rolar ninguém fica parado. Pés e mãos entram no ritmo e o corpo todo se agita. A música popular cubana é um patrimônio nacional. Grandes orquestras viraram febre em Havana nos anos 50. Com a revolução elas desapareceram e mais tarde isso foi resgatado com o Buena Vista Social Club. Mambo, chachachá, salsa, rumba e jazz criam uma mistura deliciosa de ritmos caribenhos e africanos que ecoam por toda parte.
Havana é uma volta no tempo.
FLANAR POR HAVANA
Habana Vieja pode ser o ponto de partida e um lugar bacana
para se hospedar, além da visita aos bairros Centro, Prado e Vedado.
Foi por onde a cidade começou a crescer. Palácios do século XVIII continuam
contando a história do período colonial e relembrando os tempos áureos de quando
Cuba era grande produtora de açúcar. Os espanhóis chegaram em Cuba em 1489,
alguns anos antes do Brasil ser descoberto e deixaram uma bela herança na
arquitetura, mesmo que esses tempos de pujança tenham ficado para trás. Em 1959, Fidel implementou o socialismo, depois de um período de ditadura. Logo, o país
caiu numa tremenda crise com o embargo americano que piorou muito com o corte
da mesada soviética.
Pelas ruas de Havana Vieja.
Caminhe pela arborizada Plaza de Armas, em frente ao Hotel
Santa Isabel, onde Sting ficou hospedado quando esteve na cidade. É ali que
fica o Palacio dos los Capitanes Generales que hoje funciona como Museu de la
Ciudad. O local foi sede do governo e onde a independência de Cuba do domínio
espanhol foi assinada. Observe que a rua em frente ao palácio tem calçamento de
madeira. Dizem que era para amortecer o barulho das carroças e não acordar o
governador na hora da “siesta”.
Também visite o Castillo de la Real Fuerza, um prédio de 1577 construído para fazer a defesa da cidade. Ele foi desativado por estar mal posicionado geograficamente e hoje é um museu com maquetes das caravelas usadas pelos espanhóis para dominar os mares caribenhos. Foi substituído pelo Castillo de San Salvador de la Punta e pela Fortaleza de San Carlos de la Cabana que fica do outro lado da Bahia de Havana, no alto do morro protegendo a entrada da cidade.
No final do dia, a Plaza de Armas vira o ponto de encontro da galera que tenta encontrar um sinal para conectar seu “wifi card”. A tal da internet é um sufoco em Havana. Raros são os hotéis que tem concessão para dar uma senha aos hóspedes e mesmo assim a velocidade é pra lá de tartaruga. A maioria deles não tem wifi. É preciso comprar um cartão com senha tipo “raspadinha” nas lojas da Etecsa, por 2 cucs, para “tentar conexão” por uma hora. As filas nas lojas são longas. Já, os hotéis vendem o tal cartão por 4,50 cucs. Os cubanos viram aí uma chance de faturar alguns cucs dos turistas. Compram o cartão nas lojas por 2 e oferecem no paralelo por 3 cucs, que ainda assim é mais barato do que o preço dos hotéis. Tem atravessador no pedaço. Invista na abstinência digital. Você vai perceber como o dia rende!
Plaza de Armas.
Observe que o calçamento é feito de tacos de madeira em frente ao
Palácio de los Capitanes Generales.
Também visite o Castillo de la Real Fuerza, um prédio de 1577 construído para fazer a defesa da cidade. Ele foi desativado por estar mal posicionado geograficamente e hoje é um museu com maquetes das caravelas usadas pelos espanhóis para dominar os mares caribenhos. Foi substituído pelo Castillo de San Salvador de la Punta e pela Fortaleza de San Carlos de la Cabana que fica do outro lado da Bahia de Havana, no alto do morro protegendo a entrada da cidade.
Castillo de la Real Fuerza.
No final do dia, a Plaza de Armas vira o ponto de encontro da galera que tenta encontrar um sinal para conectar seu “wifi card”. A tal da internet é um sufoco em Havana. Raros são os hotéis que tem concessão para dar uma senha aos hóspedes e mesmo assim a velocidade é pra lá de tartaruga. A maioria deles não tem wifi. É preciso comprar um cartão com senha tipo “raspadinha” nas lojas da Etecsa, por 2 cucs, para “tentar conexão” por uma hora. As filas nas lojas são longas. Já, os hotéis vendem o tal cartão por 4,50 cucs. Os cubanos viram aí uma chance de faturar alguns cucs dos turistas. Compram o cartão nas lojas por 2 e oferecem no paralelo por 3 cucs, que ainda assim é mais barato do que o preço dos hotéis. Tem atravessador no pedaço. Invista na abstinência digital. Você vai perceber como o dia rende!
Caminhe pela Calle Obispo com as fachadas coloniais mais bem
preservadas da cidade, lojinhas de artesanato, farmácias antigas e claro, a
casa que serviu como residência do bispo de Havana, que data de 1648, uma das
mais antigas da cidade. Visite o Hotel Ambos Mundos, onde Ernest Hemingway
ficou hospedado e escreveu alguns de seus livros. O apartamento onde ele viveu,
no quinto andar, pode ser visitado por 2 cucs. Suba mais um andar e tenha uma
bela vista da cidade no rooftop do hotel. Sente-se numa mesa para curtir o visual
e tomar um mojito. Outros dois lugares que Hemingway frequentava bastante eram
o bar La Bodeguita del Medio e El Floridita. São lugares muito turísticos.
Vivem abarrotados de gente. Diferente de 30 anos atrás quando a paz reinava.
Dizem que o Daiquiri foi inventado no El Floridita, experimente e aproveite
para encontrar Hemingway sentadinho num canto do bar.
Dois museus merecem uma visita. Um deles é o Museu de la
Revolucion, no Centro de Havana, em frente aos restos da antiga muralha que
cercava a cidade. O prédio já serviu como sede do governo e ainda tem nas
paredes as marcas dos tiros de uma tentativa de Fidel de derrubar o ditador Fulgencio Batista. O outro é o Museu de
Belas Artes, ele traduz com perfeição a trajetória de Cuba, com obras de várias
fases do país. Eles ficam praticamente lado a lado. É numa dessas esquinas que
fica o restaurante El Carbón, meu favorito na cidade. No couvert tem uma
torrada de aipim que lembra um pouco nossa tapioca. Deliciosa! Peça as
empanadas de carne como entrada. De “plato fuerte” vá no cerdo ahogado, um
leitãozinho à pururuca super caprichado ou prove a “roupa velha”, o picadinho
típico de Cuba servido com banana frita.
Cerdo ahogado, no El Carbon.
Para fazer a digestão caminhe pelo Malecón. O calçadão de
sete quilômetros à beira-mar é o retrato de Havana. Tem sempre gente sentada
batendo papo, pescando, namorando, caminhando, vendo o pôr do sol, bebendo rum,
fumando charuto. É um lugar que merece atenção.
Estudantes namoram no Malecon.
Não deixe de ir a Heladería Coppelia. Fidel criou a
sorveteria no final dos anos 60 e, na época oferecia mais de 20 sabores, com
preços baixíssimos. Bem, a sorveteria continua firme e forte, e os preços baixos se você encarar uma fila de mais de uma hora junto com os cubanos. Mas,
agora já não há tantos sabores e para os turistas tem uma fila separada com preços
bem superiores. Vale a experiência.
Vai um sorvete?
Se quiser dar um role geral para ter uma ideia inicial da
cidade saiba que Havana tem aqueles ônibus turísticos de dois andares. No mais, é caminhar sem pressa curtindo a arquitetura colonial e batendo papo com quem cruzar o seu caminho.
Essa moça estava me pedindo para comprar fraldas para seus filhos.
NA PRÁTICA
DOCUMENTOS. Passaporte com prazo de validade de seis meses; visto feito no balcão de check in pela própria companhia aérea na hora do
embarque mediante pagamento de 65 reais por pessoa e Certificado de Vacinação
contra Febre Amarela.
MOEDA. Leve euros. É mais fácil de trocar por cucs (pesos
convertidos), a moeda usada pelos turistas. As duas moedas tem o mesmo valor. O
euro é aceito em alguns restaurantes, hotéis, lojas e mesmo nos táxis. Tenha
moeda viva até para pagar os hotéis. A maioria deles ainda não aceita cartões
de crédito, se for de banco americano então, nem pensar. Já, os cubanos usam
outra moeda, o peso cubano.
RESTAURANTES. Lembre-se que a cozinha não é o forte de uma
viagem à Cuba. A oferta de produtos é muito limitada nos mercados. Recomendo
três restaurantes: El Carbon (meu preferido), Paladar San Cristobal (o eleito
por Obama) e Paladar Dona Eutimia.
ONDE FICAR. Recomendo o novíssimo Gran Hotel ManzanaKempinski. O hotel ocupa um prédio histórico belíssimo que foi totalmente
reformado e promete revolucionar com uma galeria repleta de grifes
internacionais. Se preferir hotéis mais tradicionais recomendo o Santa Isabel,
na Plaza de Armas ou o Saratoga em frente ao Capitólio. Faça as reservas
através das agências cubanas para conseguir bons preços. Você pode conseguir
descontos nas tarifas, de mais de 50%. Também é possível ficar em casa de
família por preços bem convidativos, procure nos sites casaparticularcuba.org e
mycasaparticular.com. Mas, uma coisa é certa. Programe-se com muita
antecedência para não passar sufoco.
Gran Hotel Manzana Kempinski.
PARA SE GARANTIR. Reserve tudo com muita antecedência. Cuba
pede organização prévia no roteiro para que você consiga bons preço. Abaixo os
sites oficiais do governo.
COMPRAS. Há vários mercados pela cidade que vendem as
tradicionais telas coloridas com cenas do cotidiano, bonecas de barro, carros
antigos em papel marchê. Mas, para minha surpresa, os preços no aeroporto são
mais em conta do que nos mercados. Para comprar charutos e rum opte por lojas
confiáveis. Para charutos indico La Casa del Habano ou Tienda de Habanos.
FUSO HORÁRIO. Dependendo da época do ano varia de 1 a 3
horas a diferença em relação ao Brasil.
COMO IR. Optei pela Copa Airlines com escala no Panamá, mas
não recomendo pois os aviões são péssimos e o serviço idem. A Avianca voa com
escala em Bogotá e tem aviões bem melhores. Outra opção é voar até Miami de
American Airlines e de lá fazer uma conexão, no entanto esses voos são mais
caros e entrar nos Estados Unidos é sempre enrolado.
Cuba é uma ilha pequena, mas com uma tremenda importância na
história mundial. Vive um momento delicado. Há escassez de tudo. De alimentos,
transporte, moradias, liberdade, dinheiro. Seu futuro é uma incógnita e no meio disso, se vê um
povo sofrido, submisso e esperançoso. Quase ninguém contesta, poucos o fazem à
boca miúda, sem muito alarde. Eles se dizem satisfeitos com a possibilidade de
fazer investimentos privados, com o crescimento do turismo e com a chance de se
conectar com o mundo pela internet. Seu medo maior é perder os serviços que
hoje tem, como escola, saúde e emprego garantido. Os cubanos esperam
pacificamente pelas voltas que a vida há de dar e enquanto isso dançam conforme
sua própria música.
Amei o post
ResponderExcluirPouca gente fala de Cuba
e as fotos também estão lindas. Como sempre!!
Obrigado e parabéns
Cuba vai mudar muito, em breve. Aliás, já está mudando. Nesses quase trinta anos entre minhas duas viagens ao país percebi muitas diferenças. É uma viagem interessante. Cercada por fatos históricos marcantes.
ExcluirObrigada pelo comentário.
Adorei a viagem para Cuba. Quando falamos em Cuba quase tudo nos remete a política e não é só isso não! Praias lindas, lugares paradisíacos, realmente inspirador!!
ResponderExcluirOi Cris,
ExcluirObrigada pelo comentário. Feliz por ter você aqui. Mil beijos.
Muito bem relatado sonho conhecer esse lugar ve o socialismo de vdd obrigada por descrever com detalhes e vdds esse lugar. Ja me sinto viajando para la ��
ResponderExcluirStephanie,
ExcluirObrigada pelo comentário. Volte sempre.
Bjs
São histórias fantásticas mesmo, de uma época forte e marcante.
ResponderExcluirAdorei!
Pamela,
ExcluirMuita história. Lugar denso.
Beijos