PLANETA SAL

Em êxtase, meus olhos varriam a imensidão branca das Salinas Grandes, sem acreditar no capricho da natureza. Um deserto... de sal. Surreal! Como explicar a imprevisibilidade de um salar a quilômetros e mais quilômetros do oceano, no noroeste da Argentina, numa altitude que passa dos 3.000 metros?


Salinas Grandes, Argentina.

Essa “miragem” no Altiplano Andino se deve a uma colisão de placas tectônicas ocorrida há milhões de anos, que além de desenhar a Cordilheira dos Andes, abriu uma fissura no solo e permitiu a entrada da água do mar por um trajeto de mais de 600 quilômetros. 

Com o aprisionamento da água em solo vulcânico e a força do tempo, grandes lagoas de sal formaram-se não só na Argentina (Salinas Grandes é apenas uma delas), como também na Bolívia (talvez você já tenha ouvido falar no Salar de Uyuni, o maior e mais alto do mundo) e no Chile (há salares no Deserto do Atacama). 

Assim, o que um dia foi lagoa salgada virou planície de sal quando a água evaporou. Uma prova de que a resiliência do tempo tem o poder de aprisionar espaços. Nasciam ali alguns dos mais admiráveis imprevistos geológicos da América do Sul. Os salares.

Um salar e muitos mistérios.

SALINAS GRANDES

Aos pés da Cordilheira dos Andes, as Salinas Grandes de Jujuy formam um caldeirão salgado de 212 quilômetros quadrados que fascina pela aridez da paisagem monocromática revestida de branco.

A experiência é surpreendente desde o momento em que o carro escapa das curvas da belíssima Ruta 52 - que conecta o noroeste da Argentina com o Deserto do Atacama, no Chile – até o momento em que o mar de sal invade a retina. Não tem como fugir do clichê. É de cair o queixo!

Ruta 52.

Num giro de 360 graus, sal e mais sal, cercado por cadeias montanhosas repletas de vulcões inativos. Parece neve. Talvez areia. Mas estranhamente, os pés não afundam. Para me certificar, quebrei um pedaço do solo e experimentei. Puro sal! Uma camada de sal que chega a dois metros de profundidade. E o mais interessante é que mesmo sendo extraído para consumo, a crosta se regenera ano após ano. Uma mina sem fim.

Observe a pontinha das Salinas Grandes no canto superior esquerdo.

O cenário muda conforme a estação. Durante o período chuvoso - de dezembro a março - a água se acumula sobre o gelo transformando a cena em um grande espelho que trás o céu até o chão. Agosto é o mês dos ventos mais fortes. Durante o período seco, que coincide com o inverno, formam-se impressionantes células hexagonais craqueladas, a perder de vista.

Pristine Camps, no período seco.

Essas texturas intrigam os pesquisadores há muito tempo. Uma explicação plausível é a diferença de salinidade da água, conforme a evaporação. A solução menos salina sobe e empurra a parte mais salina para baixo. Assim se formam os desenhos no solo. Por convecção. Os relevos do mosaico de sal aparecem exatamente nos pontos por onde a água evapora.

Salinas Grandes no final de abril.

PRISTINE CAMPS

Aos poucos, conforme o carro se aproxima da imensidão branca, o glamping Pristine Camps ganha definição. 

Sobre uma plataforma de madeira, um conjunto de domos cheios de charme, em formato geodésico, foram plantados em 2021, bem no centro das Salinas Grandes. Ao redor, caminhões e tratores trabalham num vai e vem constante, na extração de sal. A natureza que cerca a propriedade é tão grandiosa que a sensação que se tem é de estar diante de um brinquedo em miniatura.

Pristine Camps Salinas Grandes.

Ao abrir a janela do carro a magia daquela cena entra feito um rito espiritual costurado pelo sol intenso, pela brancura do sal e pelo silêncio quebrado apenas pelo barulho do vento.

Em êxtase total, num misto de encantamento somado aos efeitos da altitude, subo lentamente os degraus que levam ao domo central onde um suco de frutas vermelhas acena as boas-vindas. Sento diante do salar, sem pressa. Sem palavras! A paisagem toma conta de mim.

As seis acomodações do Pristine Camps Salinas Grandes são extremamente espaçosas e confortáveis. Tem lareira, chuveiro aquecido com energia solar e ofurô a lenha acomodado a um canto do deque. Além disso, o camp tem uma parceria com a comunidade local, o que resulta em uma conexão estreita com a cultura dos povos andinos.

Interior do domo, Pristine Camps.

Para viver uma experiência imersiva é mandatório dormir - pelo menos duas noites - em um domo do Pristine Camps Salinas Grandes para ver o sol nascer como uma bola de fogo, para ser acariciado pelo vento que insiste em soprar, para caminhar por quilômetros e mais quilômetros sobre o deserto de sal, para acompanhar a rotina dos trabalhadores na extração do mineral, para experimentar a cozinha local, provar os vinhos de altitude da Bodega Colomé, conhecer a região acompanhado por guias locais, observar os desenhos rupestres de Barrancas, mergulhar nas crenças dos povos andinos, saudar a mãe-terra “Pachamama”, suspirar aos pés do Cerro Catorze Colores em Humahuaca, caminhar pelas ruas do povoado de Purmamarca com seu comércio colorido, ver o sol se despedir e o céu se enfeitar de constelações na calada da noite.

A grandiosidade do noroeste da Argentina.

PÉ NA ESTRADA

Era do agito de Buenos Aires que eu vinha quando desembarquei no Aeroporto Internacional Gobernador Horacio Guzmán, em Jujuy. Sim, é o fervor da capital que salta no inconsciente coletivo quando a Argentina entra em evidência, talvez as montanhas nevadas de Bariloche, as vinícolas de Mendoza, os glaciares de El Calafate e El Chaltén, a vastidão dos Pampas, a cenografia da Patagônia. Mas, o país esconde segredos profundos e extremos nas regiões norte e noroeste, com rica influência da cultura andina somada aos legados do Império Inca. Pachamama é reverenciada pelos povos locais assim como tantas outras tradições vivas, entre elas, palavras em quéchua, apesar do idioma ter ficado no passado.

Alugar carro 4x4 é fundamental para uma roadtrip.

Jujuy, Purmamarca, Humahuaca, Catamarca, Tucumán são cidades e povoados próximos às fronteiras com Bolívia e Chile. Uma face árida, salgada e colorida, ainda pouco conhecida da Argentina, que merece ser desbravada em uma roadtrip.

Cerro de Catorze Colores.

Um planeta de sal cercado por montanhas esculpidas pelo capricho do vento e pintadas por uma miríada de cores vindas de diferentes minerais. Como enfeites, cactos gigantes, guanacos e lhamas saltam pelo caminho arrancando sorrisos e nos fazendo compreender como somos pequenos diante de tamanha grandiosidade.

Companheiros frequentes de estrada.

Do aeroporto de Jujuy ao Pristine Camps são 90 km. Em menos de duas horas chega-se ao camp. O lodge oferece transfer in/out, alguns passeios nas proximidades e tem as refeições incluídas no valor da diária.

Caso você esteja dirigindo por essa região belíssima, o que recomendo fortemente para ter maior independência, você irá até um local chamado “Ponto de Encontro”, onde será recebido pela equipe do lodge para chegar ao Pristine Camps. 

Esse é simplesmente o cenário do "Ponto de Encontro" no Pristine Camps..

CAMINHOS DE COR E SAL

Entre Jujuy e as Salinas Grandes pare no povoado de Purmamarca para uma caminhada pelas ruelas cheias de lojinhas coloridas e com casas feitas em adobe cercadas pelo Cerro de los 7 Colores.

Purmamarca e as montanhas de 7 cores.

A região é parte da Quebrada de Humahuaca. Foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 2003 por ter sido rota dos incas, além de passagem obrigatória para colonizadores e comerciantes.

Perto dali, também na província de Humahuaca, o Cerro de Catorze Colores é ponto imperdível. As cores, teoricamente 14 (mas parece muito mais) correspondem a pigmentos naturais vindos de milhões de anos de caprichos geológicos. O tom rosa vem da argila. O vermelho do ferro. O verde do óxido de cobre. O amarelo do enxofre. E por aí vai... O acesso é feito em carro 4x4 com guia local a partir do povoado. Está a mais de 4.000 metros acima do nível do mar. É preciso estar aclimatado para suportar tamanha altitude. 

Um espetáculo da natureza. Cerro de 14 Colores.

Essa região tem um mosaico cultural único no mundo, pois os povos originários preservam crenças religiosas, ritos, festas, arte, música e técnicas agrícolas que são um patrimônio vivo. 

Do Pueblo de Tres Croces, também nas cercanias de Humahuaca, parte a trilha do Espinazo del Diablo, considerada uma das mais bonitas da região. Em Uquia, na Quebrada de Las Señoritas há um trekking famoso, repleto de lendas, entre montanhas vermelhas.

Barrancas, um povoado próximo das Salinas Grandes, tem casas feitas em adobe com janelas e portas feitas de cactos. Seu nome vem dos nove quilômetros de barrancos de ignimbrita rosada que cercam o vilarejo. A quantidade de relevos e pinturas rupestres é surpreendente.

Barrancas e seus nove quilômetros de ignimbrita.

Pinturas rupestres de Barrancas.

Mergulhar em destinos extremos dá acesso as nossas raízes, abre espaço para reflexão e nos faz olhar o universo por outros ângulos. Uma viagem que não é apenas sobre o destino. Vai além. É sobre cada passo do caminho traduzindo nossa jornada.

Caminhar é preciso!

ONDE FICAR HOSPEDADO

Salinas Grandes: Pristine Camps, um glamping com apenas 6 acomodações e muito conforto em pleno salar.

Salta: House of Jasmine, um Relais & Chateaux aos pés da Cordilheira dos Andes.

ROTEIRO

O roteiro dessa viagem incluiu:

 3 dias em El Calafate, no hotel Eolo, 

3 dias em Jujuy, no Pristine Camps 

3 dias em Buenos Aires, no hotel Faena

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