Nove letrinhas revelam um império. Sapatos em forma de arte são a primeira referência quando vem a palavra FERRAGAMO. Considerado um dos maiores estilistas de todos os tempos, Salvatore desafiou os limites do design de calçados com sua mente criativa e mãos habilidosas. Brilhou em Hollywood ao calçar uma legião de celebridades, e extrapolou os pés. Deixou um legado de sofisticação que vai das solas às taças, abraçando também a hospitalidade nas curvas da Toscana.
Acredite, se quiser. Esse menino que nasceu em Bonito, no sul da Itália, em 1898, cercado por uma dezena de irmãos, chegou a estudar anatomia para trazer excelência à sua paixão pelos sapatos artesanais. Não deu outra. Explodiu ao abrir a Hollywood Boot Shop, na Califórnia, em 1923, frequentada por nomes como: Judy Garland (mãe de Liza Minnelli), Carmen Miranda (para quem criou famosas plataformas), Audrey Hepburn (vestida com suas clássicas sapatilhas), além de tantas outras estrelas de Sophia Loren a Marilyn Monroe. Então, decidiu retornar à Itália, em busca de novas técnicas. Veio a guerra. Faliu. Recomeçou. E por fim, sentou a pedra fundamental de uma revolução de criatividade e elegância no Palazzo Spini Feroni, em Florença, local que hoje abriga não só o Museu Ferragamo, como a flagship da marca e os escritórios.
Se o visionário Salvatore Ferragamo partiu cedo, na década de 60, sua mulher Wanda Ferragamo, não só sustentou como expandiu internacionalmente o império “Made in Italy”. Ancorada pelos filhos entre couro, cortiça, ráfia, celofane e seguindo com vestuário, seda, aromas, vinhos, pratos e hotéis, ela reverberou a identidade da família ao melhor estilo “la dolce vita”.
SOGGIORNO A VIESCA TOSCANA
Entre as colinas verdejantes da Toscana emerge o Viesca, não apenas como hotel, mas como um refúgio de alma, impregnado de memórias. Desde 1953, foi a casa de campo da família Ferragamo. Uma “tenuta” - a meio caminho entre Florença, Arezzo e Siena - que serviu como santuário para a matriarca Wanda, até sua despedida aos 96 anos, em 2018, quando foi cuidadosamente restaurada e transformada em hotel. Por ali não há ostentação, e sim um convite a contemplação. É a certeza de entrar em camadas de beleza e luxo que sussurram em vez de gritar.
A propriedade é composta por uma mansão central do século XVI, com 20 suítes, e outras 6 villas espalhadas pelos campos ao redor, totalizando 56 acomodações. A decoração é um tributo à autenticidade toscana, caminhando com passos certeiros pela rusticidade, sem descuidar jamais do conforto. Tecidos nobres em cores suaves – terrosos, verdes-oliva, dourados - refletem as paisagens circundantes ao mesmo tempo em que criam um ambiente harmonioso.
Além disso, o restaurante, o spa, a sauna, a piscina e um imenso lounge com paredes emolduradas por fotos da jornada dos Ferragamo, fazem um convite para que os hóspedes desacelerem e entrem em uma história viva.
Os dias se passam lentos entre passeios de bicicleta, visitas aos vilarejos medievais da região, boas taças de vinho e jornadas gastronômicas com pratos de uma “cucina veramente italiana”.
O Chef Executivo Andrea Campani usa ingredientes sazonais que vão da horta à mesa, numa ode aos sentidos. O Il Borro Tuscan Bistro Viesca se espalha por um pátio aberto protegido por ombrelones, no coração do hotel. Pressa pra quê? No cardápio despontam os clássicos pappa al pomodoro (sopa de pão com tomate com jeitinho de comida da nonna); as massas gnudi con fonduta di pecorino e tartufo (um tipo de nhoque preparado com espinafre e ricota) e o tradicional pici con crema all’aglione (massa espessa feita à mão); e a legítima bisteca fiorentina. De sobremesa é difícil escolher entre o tiramissú, a sbriciolona ou o gelato. Claro que a experiência deve ser acompanhada pelos vinhos produzidos pela própria família Ferragamo, num brinde que se estende da moda secular à viticultura.
IL BORRO RELAIS & CHATEAUX
A 30 quilômetros dali uma alameda ladeada por ciprestes anuncia a chegada ao espetacular Il Borro. É como entrar num quadro de Monet. Jardins floridos, cavalos, ovelhas, campos, bosques, vinhedos, olivais, hortas, vielas, casarões aristocráticos do século XIX e do alto de uma colina, acessado por uma ponte de pedra, um autêntico borgo medieval do século XIII. Uma propriedade de conceito singular que conduz da sensibilidade à ancestralidade.
Antes de chegar às mãos dos estilosos Ferragamo, em 1993, abrigou algumas famílias nobres como os Médici e os Savoia. Como diz o filho mais velho do casal, Ferruccio Ferragamo: “precisamos ter consciência de que somos hóspedes dessa terra e devemos cuidar dela para os nossos sucessores”. E foi exatamente o que fez. Transformou, junto com os filhos Vittoria e Salvatore, os 1.100 hectares do Il Borro em um microcosmo sustentável, impregnado de toscaneidade.
A propriedade tem vinícola, galeria de arte, dois restaurantes de altíssimo padrão, além de diferentes tipos de hospedagem. Uma delas ocupa as casas originais do vilarejo medieval restaurado com extremo cuidado histórico e muito conforto.
Se hospedar em uma de suas 38 suítes, andar pelas ruelas de pedra, sentar para tomar um café e ouvir as badaladas do sino da igreja é a certeza de voltar no tempo. O borgo milenar mantém os ateliês de ouro, sapatos, tecidos, comandados por antigos moradores locais que guardam as tradições.
Pertinho está o casarão Aie del Borro, uma construção da era do Grão-Ducado da Toscana, que agora abre as portas para a arte de bem receber em 20 suítes impecáveis, servidas inclusive por uma piscina belíssima e área exclusiva para o café da manhã. Além disso, tem três villas: Casetta, Mulino e Mansão Histórica.
Essa última, a Mansão Histórica, do século XIX, passou por uma restauração meticulosa para voltar à glória. Seu subsolo acomoda a Il Borro Wines. Bons vinhos vêm sendo produzidos desde 2015, de modo totalmente orgânico sob o olhar de Salvatore Ferragamo, que carrega o nome do avô. As uvas são cultivadas com atenção especial ao terroir, numa área de 85 hectares, com produção média de 350 mil garrafas por ano. São mais de 10 rótulos com predominância de Sangiovese, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah e Chardonnay. Destaque para o supertoscano Il Borro, para o espumante Bolle di Borro, para o trendy rosé Borrorosa e para o Petruna in Anfora produzido como o próprio nome sugere em ânforas de terracota, uma tradição etrusca, ainda usada na Geórgia. A degustação pode ser feita em diferentes locais da adega subterrânea. Recentemente, um novo capítulo da expansão da família no universo do vinho foi marcado pela aquisição da Vinícola Pinino, acrescentando o Brunello di Montalcino na coleção.
Enquanto Salvatore está à frente dos vinhos, sua irmã Vittoria Ferragamo é a responsável pelas iniciativas de sustentabilidade e práticas regenerativas, liderando o cultivo da horta orgânica - Orto - de três hectares. O resultado chega à mesa na forma de arte tanto no Tuscan Bistro, onde tive o prazer de almoçar com ela, como na Osteria del Borro. Os pratos exalam uma alquimia elevada à quinta potência. Um luxo saborear a alma toscana, com produtos nascidos ali no quintal, pelas mãos de filhos da terra, num menu que passeia do requinte a simplicidade.
Seja qual for o refúgio escolhido, Il Borro ou Viesca, o legado de elegância atemporal impresso pela família Ferragamo à hotelaria será um convite para desacelerar, para se reconectar com a natureza, reverenciar a boa mesa e viver o melhor da Toscana. Salute!
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