GROENLÂNDIA EXTREMA
Icebergs esculpidos na forma de arte contemporânea, orcas cortando as águas, geleiras desmoronando estrondosamente, ursos polares mimetizados com o branco do horizonte e luzes celestiais roubando a cena.
Dramática por natureza, a maior ilha do mundo revela aos poucos uma paisagem estonteante, entre fiordes e blocos de gelo, até alcançar povoados remotos que parecem ter congelado em outras eras. A Groenlândia está aninhada na linha polar do continente norte-americano entre os oceanos Atlantico Norte e Glacial Ártico. Aventurar-se por sua vastidão branca é a certeza de assistir a um espetáculo extremo. Seu inóspito território - pertencente ao Reino da Dinamarca - esconde preciosidades sob camadas de gelo recortadas por fabulosos sistemas de fiordes. O resultado você já pode imaginar. Cinematográfico.
TEM ALGUÉM Al?
Imensos icebergs me deram as boas-vindas, na costa sudeste da Groenlândia. Num braço de mar do Fiorde Skjoldungen espremido entre paredões rugosos, eles singravam ao sabor do vento. Fiordes são vales alagados que vêm de eras glaciais par nos arrancar suspiros. Formam-se com o recuo de geleiras, entre altas montanhas rochosas, seguido de inundação da água do mar. A força dessa paisagem é tão grande que faz qualquer um se sentir uma gota no oceano. Uma região remota. habitada apenas de 1938 a 1965 por um grupo de indigenas vindo das terras geladas de Ammassalik. Não mais. E foi exatamente nesse cantinho tão isolado do planeta que finquei os pés na Groenlândia pela primeira vez, descendo de um navio da Swan Hellenic. Um trekking de 5 km pelas rochas e pela tundra do fiorde, uma vegetacão rasteira que domina o bioma da região, brindou o dia em tons de verde, raras flores e alguns frutinhos vermelhos. Como trilha sonora. o canto dos pássaros Quanto ao frio, nem era tanto -10°C.. Afinal era verão E sim, os efeitos do aquecimento global são uma realidade. Senti na pele.
O PRIMEIRO ENCONTRO
A Groenlândia é nitidamente um lugar de contrastes. Basta dizer que leva o título de "maior ilha do mundo", com 2.170.000 km2, no entanto é coberta por meros 150 km de estradas e tem baixíssima densidade demográfica, com apenas 57 mil habitantes. No total existem seis municípios, que abraçam 17 cidades e 57 povoados. Um território gigantesco, comparável ao tamanho dos estados do Amazonas e do Pará juntos, mas praticamente desabitado. É que dois terços da Groenlândia estão acima do Círculo Polar Ártico, com temperaturas nada gentis que passam facilmente dos -40°C.
Por isso. os habitantes vivem principalmente ao longo dos fiordes do sudoeste. onde o clima é um pouco mais ameno. Aappilattoq toi onde a magia do primeiro encontro aconteceu Desvendar esse destino por meio das tradicões culturais do povo é interessante Com uma simpática população de 79 habitantes, Aappilattoq nasceu em 1922 e adora receber visitas. Um vilarejo aparentemente comum - com casinhas coloridas, igreja, escola, mercadinho, campo de futebol - não fosse seu modo de vida baseado em costumes ancestrais e seu isolamento total. Está a 20 minutos de helicóptero do povoado mais próximo.
Nesse cantinho do planeta. eles vivem basicamente da pesca e da caca de subsistência A vida é dura. Comem o que a natureza gelada do Ártico oferece, de aves a focas, e usam a pele dos animais como parte das vestimentas tradicionais, kalaallisuut. Cacam inclusive urso polar. Um animal com status tão especial que está representado na mitologia da Groenlândia e estampado no brasão nacional. É a presa mais prestigiosa que um caçador pode abater para sustentar sua comunidade. No entanto, questões climáticas globalização e modernização significam que a caca que sustenta as antigas tradições vem ganhando novas regulamentações.
80% DA ILHA É GELO
Gelo mais antigo do que a história da humanidade. Fácil perceber que a melhor maneira de desbravar seu manto polar é a bordo de um navio de expedição. Navegar por esses cenários é a certeza de rever uma era gelada onde o silêncio é quebrado apenas pelos barulhos da natureza e pela resiliência do povo inuíte. Depois de um dia inteiro de navegação, por um mar bem mexido, o comandante anunciou a chegada a Ivittuut em Cape Desolation. Uma verdadeira desolação ver o vilarejo abandonado. Foi funda do em 1854, para a exploração de uma mina de criolita, mineral raro e valioso extraído até 1963 para a produção de alumínio. Chegou a ter 700 moradores. Hoje é um tesouro perdido no sudoeste da Groenlândia, onde apenas o mugido dos bois-almiscarados ecoa entre as casas.
Não muito longe dali, considerando a vastidão da ilha, está a capital Nuuk. Ela se estende graciosamente ao longo da costa do segundo maior fiorde da Groenlândia Nuup Kangerlua. É linda, colorida e pequenina. Tem uma população de menos de 20 mil habitantes, na maioria dinamarqueses. É lá que está o único shopping da Groenlândia. A cidade também tem universidade, aeroporto, um belo centro cultural - de nome Katuaq - num prédio desenhado por Schmidt Hammer Lassen com ondulações que mimetizam as luzes nórdicas e um museu que vale a visita. Destacam-se as múmias de Qilakitsoq. Elas foram encontradas por dois caçadores em 1972, mas datam de 1475 e são consideradas um dos achados arqueológicos mais importantes do Ártico.
NUM CAMPO DE ICEBERGS
Nenhuma expedição fica completa sem uma parada em Ilulissat, a terceira maior cidade. com pouco mais de 4 mil habitantes. Além da sua graciosidade de ter vários museus (Icefiord Centre, Art Museum e Museu de História), conexão aérea e alguns hotéis. tem o cenário mais impressionante da Groenlândia. o Ilulissat Icefiord catalogado como Patrimônio Mundial da UNESCO. É onde o Glaciar Sermeq Kujalleq - um dos maiores do Hemisfério Norte - despeja gigantescos blocos de gelo no fiorde em um espetáculo estarrecedor. Uma vez desprendidos da geleira, os icebergs flutuam monumentalmente por um longo corredor, até encontrar o oceano. Alguns chegam a 300 metros de altura. tendo uma pequena parte visível fora d'água e um mundo de gelo submerso. Icebergs do tamanho de catedrais. Pois foi exatamente entre esses icebergs que um grupo de baleias-jubarte resolveu se exibir enquanto o sol se despedia. E como se as surpresas não pudessem ser mais encantadoras, a aurora boreal chegou sorrateiramente ao cair da noite. serpenteando em ondas esverdeadas. num fenômeno celestial estonteante.
DESPEDIDA INESQUECÍVEL
Uma tradição antiga que continua sendo um meio de transporte vital para esse povo que vive em terras congeladas é o dog sledding, trenó puxado por cães. Esses animais trabalham pesado e ocupam um lugar significativo na cultura local. Existem regulamentos rigorosos para manter a pureza da raça. em Sisimiut, nenhum outro cão e permitido para garantir que não haja cruzamentos.
Cercada por montanhas dramáticas e fiordes belíssimos, a pitoresca Sisimiut é a segunda maior cidade da Groenlândia, com 5.600 habitantes. Pouco abaixo da linha do Circulo Polar Ártico a cidade pulsa com casas de madeira pintadas em tons vivos. No período colonial, a cor de cada casa trazia uma mensagem de identificação. Casas vermelhas para escolas e igrejas, amarelas para serviços médicos, verdes para telecomunicações, azuis para fábricas de peixe e pretas para as forças policiais. Esse código de cores vai ficando no passado enquanto a nuance de tons só faz aumentar. Vale apostar no ATV (all-terrain vehicle) para ir mais longe. A Trilha do Círculo Polar começa em Sisimiut e se estende até Kangerlussuaq, uma base aérea usada durante a Segunda Guerra Mundial e de onde partiria meu voo de retorno. Pela janela do avião eu procurava detalhes que pudessem juntar as peças do imenso quebra-cabeça que eu havia vivido, por dez dias, nesse lugar onde o luxo é exatamente o silêncio tocado pela força do isolamento e por uma beleza fora do óbvio. Uma vastidão remota cercada por uma natureza indomável, envolvente e fascinante. Uma beleza tão poética quanto arrebatadora. Uma experiência digna de uma volta no tempo, rumo à Era do Gelo.
PELOS CAMINHOS DO MAR
Gamla Höfnin, o porto antigo de Reykjavik - capital da Islândia - foi o ponto de partida para a costa sul da Groenlândia. Embarquei no SH Vega, da linha de cruzeiros Swan Hellenic, focada em destinos pouco convencionais. Suas 75 cabines têm capacidade para 152 passageiros. Na chegada, recebemos de presente dois casacos desenvolvidos especialmente para suportar o clima polar gélido e botas impermeáveis com proteção térmica (Muck Boots) para serem utilizadas durante o cruzeiro.
O interior foi elegantemente projetado em linhas retas e tons suaves, por um designer escandinavo. As suítes são espaçosas, bem servidas de armários e têm lareiras de realidade virtual. Algumas, até banheira têm. O navio também tem spa, sauna com janelão panorâmico, duas piscinas aquecidas, biblioteca, academia bem equipada e dois restaurantes com gastronomia deliciosa. Conforto necessário, uma vez que os dois primeiros dias são al mare, sem desembarcar. Perfeito para desacelerar. A suavidade da navegação é garantida por equipamentos de última geração com estabilizadores poderosos projetados para expedições polares.
Viajar para um destino extremo, mais do que um desafio, é ter como meta o crescimento pessoal. O Observation Lounge reúne os passageiros durante os dez dias de expedição. Nesse salão, guarnecido por um bar, piano de cauda, lojinha e janelões que trazem a paisagem até a altura dos olhos, são passados protocolos de cuidado com o meio ambiente e boas doses de conhecimento com especialistas: biólogos, naturalistas, geólogos e outros. Destaque para as palestras de Arielle Montgomery, uma alma apaixonada pela cultura do país e uma voz forte a espalhar pelo mundo o respeito ao povo da Groenlândia.
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